A educação matemática como fenómeno emergente: desafios e perspectivas possíveis
Resumo
Neste artigo discuto uma perspectiva sobre a educação matemática em que esta é encarada como fenómeno emergente. Para isso, começo por focar o que são na minha perspectiva as finalidades da matemática escolar e, através de exemplos, distingo o que se poderá chamar de “ensinar matemática” da ideia de “educar matematicamente”. Partindo dos trabalhos de Jean Lave e Etienne Wenger, de seguida desenvolvo a ideia de design para a educação matemática como meio de criar condições que favoreçam certas formas de participação em comunidades de prática encarando a aprendizagem como parte integrante das práticas sociais e retirando daí implicações para o entendimento da educação matemática como fenómeno emergente. Nessa discussão assume papel muito importante a noção de pertença. Finalmente, aponto alguns desafios e possibilidades de desenvolvimento destas ideias a nível curricular e ao nível da formação de professores de educação matemática.
Palavras chave: educação matemática; aprendizagem; design; comunidades de prática.
Ainda as finalidades da educação matemática na escola
Dentro das finalidades da educação matemática inclui-se o desenvolvimento do poder dos alunos e dos indivíduos em sociedade, quer para ultrapassar barreiras do seu desenvolvimento em termos de educação e emprego, quer no sentido de aumentar a sua auto-determinação e o seu envolvimento crítico na cidadania social. A finalidade última da educação é a mudança social em direcção a uma sociedade mais justa e mais igualitária. Na prática escolar isto significa o questionamento permanente e sistemático, abrindo espaços de discussão e permitindo (e encorajando) o conflito de opiniões e pontos de vista, o questionamento dos temas matemáticos e da sua relevância e a negociação de objectivos partilhados. Pode-se argumentar-se contra este tipo de abordagem dizendo que se pode tornar facilmente em propaganda política barata e demagógica. Pode, de facto. E isso apenas acentua a questão da responsabilidade do professor buscando a discussão das coisas, a apresentação de pontos de vista contraditórios, explorando os espaços de questionamento e estimulando a discussão acalorada em vez de procurar consensos e apresentar a “boa visão” (do professor). Hoje em dia os jovens cada vez menos aceitam passivamente as opiniões dos adultos e dos seus professores pelo que é tremendamente maior o benefício desta abordagem se comparada com o risco de deixar aos alunos a ideia de que os saberes que a escola lhes trás se apresentam neutros e despidos de qualquer relação com o respectivo campo de produção e com as pessoas que os produzem e usam.
Equacionar o ensino escolar da matemática como a transmissão de factos matemáticos às crianças e aos jovens não faz já mais sentido no mundo actual. Mas vale a pena insistir na argumentação a favor desta ideia. Primeiro, embora a matemática esteja cada vez mais presente em todos os fenómenos sociais, isto é, cada vez mais a sociedade seja regulada por modelos matemáticos complexos, é também verdade que cada vez menos o cidadão tem que conhecer a matemática que suporta esses modelos. O que lhe é exigido cada vez mais é a capacidade de saber lidar com esses modelos, desocultá-los, perceber a sua presença, ser crítico relativamente aos modos como são aceites na sociedade, perceber as intenções e os modos como são produzidos, etc.
Segundo, o ênfase deve ser colocado na educação matemática (dos jovens) e não no ensino de matemática. No editorial do número temático da revista Quadrante sobre Educação Matemática e Cidadania (Matos, 2002) argumentei que a disciplina de Matemática deve ser urgentemente eliminada dos currículos do ensino básico[1]. Em vez da disciplina de matemática proponho a criação da disciplina de educação matemática com o objectivo essencial de contribuir para o desenvolvimento de um ponto de vista matemático sobre as coisas[2]. Isto significa naturalmente que as crianças precisarão de conhecer alguns factos matemáticos mas significa também que o essencial da disciplina não será a matemática mas o seu uso como um dos recursos estruturantes do pensamento, da reflexão e da acção. E claro que esta proposta é acompanhada de implicações importantes sobre a avaliação escolar em matemática que tem que deixar de ser entendida como sinónimo de classificação[3]. Mas a questão principal é que a escola, ao encarar o seu papel como o de educar os alunos, tire daí as implicações para a área da matemática assumindo a educação matemática dos alunos de facto como a prioridade.
Terceiro, um movimento de alteração das perspectivas sobre as finalidades da matemática escolar no sentido de criar uma cultura de educação matemática visando a participação dos jovens na construção e sustentação de uma sociedade democrática, tem que ser enquadrado numa problematização mais alargada da escola e do seu papel na educação dos jovens. Provavelmente, muitas das questões que aqui coloco relativamente à matemática escolar poderiam (deveriam) ser colocadas em relação a outras disciplinas ou até a à sua totalidade. Equacionar as questões da educação matemática de um modo isolado fora de uma discussão das funções da escola pode trazer o risco de se estar a criar novos modos de operacionalizar a sua função reguladora em vez do carácter emancipatório que deve assumir.
O que é educar matematicamente?
Ao distinguir entre ensinar matemática e educar matematicamente estou a colocar em confronto duas perspectivas. Aquela que parece ler-se nas entrelinhas de algumas visões sobre a didáctica da matemática coloca o ensino da matemática como incidindo essencialmente na tarefa de fazer com os alunos aprendam matemática, ponto final (entendendo-se que aprender matemática significa conhecer factos matemáticos). Nesta visão, educar matematicamente parece ser entendido como fornecer aos alunos factos matemáticos recontextualizados e reificados na prática escolar com o argumento de que ou serão úteis noutras disciplinas ou serão úteis alguma vez na vida. Pode ler-se aqui alguns elementos do que Skovsmose e Valero (2002) chamam a “ressonância intrínseca” - a crença de que as aprendizagens matemáticas tradicionais farão (algum dia) ressonância no desenvolvimento pessoal e social dos jovens e dos adultos. Um dos maiores erros desta perspectiva é ignorar que uma grande parte dos jovens será tacitamente excluída do acesso a outras formas de conhecimento e a outras posições e empregos.
Numa outra perspectiva pode entender-se que a matemática constitui um instrumento que confere uma dimensão muitíssimo potente aos modelos que a sociedade cria e adopta. Como tal, a educação deve incluir formas de aprender a lidar com esses modelos. Uma parte dessa aprendizagem pode resultar de educar matematicamente os jovens. E educar matematicamente inclui levar os alunos a apropriar-se de modos de entender matematicamente as situações do dia-a-dia[4]. Para elaborar sobre esta questão vou utilizar um exemplo de um problema típico dos livros de texto do ensino elementar.
Exemplo
Uma viagem de autocarro do Campo Grande para Rossio custa €1 por pessoa. Quanto paga uma família de 4 pessoas?
A pergunta colocada pode ser lida apenas ao nível da aritmética[5]. A mensagem que tradicionalmente se passa aos alunos é que é preciso descobrir o método certo para resolver o problema: 4 x €1 = €4. Mas claro que se pode ler o problema do ponto de vista da questão “quanto deve custar a viagem da família de quatro pessoas”. Em Lisboa, a densidade do trânsito é insuportável, uma imensa maioria de pessoas utiliza o automóvel próprio para se deslocar. Os autocarros não são tão eficientes como seria desejável e as viagens de autocarro ainda são demoradas. Para ir do Campo Grande ao Rossio demora-se cerca de 30 minutos se não houver muito trânsito[6]. Há que encorajar que as pessoas se desloquem de autocarro. Os preços deveriam baixar e os incentivos à sua utilização deveriam ser maiores. Uma família de quatro pessoas deveria ter uma redução no preço já que constitui uma unidade (supostamente) a valorizar pela sociedade (quer por se tratar de uma agregado familiar quer pelo simples facto de viajar em conjunto). Uma perspectiva de educação matemática no sentido que mencionei acima tomaria este problema como uma questão susceptível de análise mais global uma vez que os preços e a eficácia dos transportes públicos e privados numa cidade são elementos que ajudam a definir a mobilidade dos cidadãos. Como tal a área temática dos transportes poderia ser entendida como uma dos pontos essenciais de desenvolvimento do trabalho num determinado período. Essencial tornar-se-ia não aprender o cálculo aritmético mas utilizá-lo (e por isso, e com isso, aprendendo-o) na análise de uma prática do dia-a-dia: deslocarmo-nos de um lado para o outro utilizando algum meio auxiliar como o autocarro. Essencial passaria igualmente a ser o questionamento do modelo da proporcionalidade que se aplica socialmente de modo quase universal e que formata imensamente a forma de pensar dos humanos[7].
Este exemplo serve para pensar na necessidade de abandonar a ideia de que educar matematicamente os alunos é conduzi-los à ‘aquisição de conceitos e técnicas da matemática’ enquanto ciência produzida pelos matemáticos. Aliás, a metáfora da aquisição de saberes está fortemente ligada à ideia de que a função da escola é exactamente fornecer ou disponibilizar saberes. Uma perspectiva que assume a participação das pessoas como um elemento chave na construção do conhecimento, reclama que a função da escola é constituir um campo de construção de saberes, uma comunidade com práticas próprias (que não se confundem com as práticas dos matemáticos ou com outras práticas profissionais e que são essencialmente práticas escolares) que é preciso questionar em função do tipo de finalidades da educação matemática que discuti acima.
Sobre o mito da neutralidade da matemática e da educação matemática
As perspectivas positivistas reclamam que o conhecimento, embora produto humano, é completamente separado das pessoas que o produzem, em si mesmo neutro, isento de valores e objectivo. E desse modo reservam a aprendizagem à ideia de descoberta de factos estáticos, da sua descrição e classificação. Quero aqui contrariar essa ideia. Para começar, é importante realçar que o conhecimento matemático é continuamente criado e recriado à medida que as pessoas actuam e reflectem sobre o mundo. O conhecimento não é fixado de modo permanente nas propriedades abstractas dos objectos matemáticos. Adquirir conhecimento e produzir conhecimento são dois momentos de um mesmo ciclo. Esta ideia envolve a noção de que o conhecimento é um produto emergente da acção e da interacção da consciência humana e da realidade. Através da acção e reflexão, interagindo dialeticamente para recriar a percepção e descrição da realidade, criam-se práticas que envolvem aprendizagens de modo natural. Mas estas práticas não são neutras. O conhecimento matemático não existe fora dos modos como é usado, fora dos interesses para os quais é usado e das razões pelas quais é usado. Do mesmo modo, a educação matemática ou o ensino da matemática que é proporcionado aos alunos não existe fora dos modos, interesses e razões que lhe estão subjacentes (tenhamos ou não consciência delas). A matemática (enquanto disciplina escolar) contribui fortemente para a exclusão escolar e social de um número elevadíssimos de crianças e de jovens. Vemos, ouvimos e lemos esses factos diariamente na imprensa generalista e especializada. Não podemos ignorar a nossa responsabilidade no papel de filtro social que foi sendo criado com o ensino da matemática na escola básica e secundária[8]. Não se pode mais limitar o papel do professor a ensinar matemática. É essencial reconhecer a dimensão social, ética e política no ensino da matemática e assumir que não existe neutralidade nesse ensino. O que isto exige aos professores e aos educadores é uma questão que merece análise própria.
Aprendizagem como participação em comunidades e prática
O argumento principal deste texto é a ideia de que a educação matemática das pessoas constitui um fenómeno emergente das práticas em que são imersas e em que participam. Isto significa que, tal como Lave e Wenger (1991), assumo a ideia de que as aprendizagens são elementos integrantes das práticas sociais. Mas equacionar a aprendizagem como participação em comunidades de prática obriga a discutir mais em pormenor este conceito e a desocultar alguns dos conceitos associados.
A noção de comunidade de prática tal como é utilizada nas perspectivas teóricas que consideram a aprendizagem como fenómeno situado (Lave e Wenger, 1991; Wenger, 1998) surge como útil na discussão da ideia de educação matemática como fenómeno emergente. Por um lado, a ideia de comunidade de prática pode ser entendida como uma ferramenta analítica que permite encontrar um certo olhar sobre as aprendizagens; por outro lado, pode ser usada para avançar princípios que constituam um possível design para as práticas escolares em educação matemática, de modo a permitir organizar princípios de acção e esforços para cultivar e sustentar comunidades onde a participação implique aprendizagens significativas em educação matemática[9].
De acordo com Wenger (1998), “as comunidades de prática dizem respeito ao conteúdo, (…) não à forma” (p. 229). Mas apesar disso, e apesar das múltiplas formas que podem tomar, há três elementos estruturais nas comunidades de prática (Wenger, McDermott & Snyder, 2002): o domínio, a comunidade e a prática.
O domínio é aquilo que cria uma base comum e um sentido de desenvolvimento de uma identidade legitimando a comunidade através da “afirmação dos seus propósitos e valor aos membros dessa comunidade” (p.27). Trata-se do elemento principal de inspiração dos membros para contribuírem e para participarem de modo a fazerem sentido dos significados das suas acções e das suas iniciativas. No entanto, o domínio não é um conjunto fixo de problemas, trata-se de algo que acompanha a evolução do mundo social e da própria comunidade. No que respeita ao ensino e aprendizagem da matemática, o domínio tem sido sistematicamente entendido como matemática escolar[10] mas é necessário colocar o desafio de cada vez o definir mais como ‘educação matemática’ (no sentido que acima discuti). Uma alteração do domínio implicará necessariamente alterações mas formas como a prática e a comunidade se desenvolvem.
“A comunidade é aquilo que constitui a fabricação social[11] da aprendizagem” (p.28). Assumindo que a aprendizagem é uma questão essencialmente de pertença e de participação, a comunidade torna-se um elemento central como grupo de pessoas que interagem, aprendem conjuntamente, constroem relações entre si, desenvolvem um sentido de engajamento mútuo e de pertença. Mas a ideia de comunidade não implica que exista homogeneidade. Se as interacções a longo prazo tendem a criar uma “história comum e uma identidade comunitária” (p. 35), ao mesmo tempo ela encoraja a diferenciação entre os membros que assumem papéis distintos e criam as suas diversas especialidades e estilos. Um dos aspectos mais relevantes no desenvolvimento de comunidades em educação matemática é a necessidade de uma massa crítica de pessoas que sustentem a participação mas deve ter-se a noção de que se a comunidade atinge uma dimensão demasiado grande isso pode igualmente inibir a participação[12]. À medida que a comunidade evolui, a sua natureza muda e é nesse quadro que assumem grande importância as questões de liderança na criação de uma atmosfera e ao mesmo tempo de um foco que favoreçam práticas conducentes às aprendizagens desejadas.
A prática é constituída por um conjunto de “esquemas de trabalho, ideias, informação, estilos, linguagem, histórias e documentos que são partilhados pelos membros da comunidade[13]. Enquanto que o domínio denota o tópico em que a comunidade se foca, a prática é o conhecimento específico que a comunidade desenvolve, partilha e mantém” (p.29). A prática evolui como um “produto colectivo” integrado no trabalho dos participantes organizando o conhecimento em formas que o tornam útil para esses participantes na medida em que reflecte a sua perspectiva.
Compreender a relevância da ideia de comunidade de prática como elemento que permite ver a educação matemática como fenómeno emergente, exige ir um pouco mais longe na caracterização daquilo que está envolvido na ideia de pertença a comunidades de prática.
Modos de pertença em comunidades de prática
Uma perspectiva situada entende a aprendizagem como uma experiência vivencial que faz parte integrante da participação em comunidades de prática. A participação é algo emergente e intencional que não pode ser prescrito nem legislado do mesmo modo que não pode ser completamente planeada mas apenas “designed for”[14], isto é, facilitada ou frustrada. Mas é possível pensar em modos de enriquecer a atmosfera da comunidade onde se pretende que ocorram determinadas aprendizagens. É neste ponto que faz sentido falar de design mas ao mesmo tempo chamar a atenção para o facto de que a prática subsequente à elaboração de um determinado design não é o resultado desse design mas sim a reacção ao design. É neste mesmo sentido que não se pode entender a aprendizagem escolar como o resultado do ensino feito pelo professor, não existe tal causalidade entre ensino e aprendizagem na escola. A aprendizagem ocorre na medida em que os alunos estão envolvidos em formas de participação em práticas que implicam essas aprendizagens que são elas próprios elementos integrantes das práticas. O design – entendido aqui como “arquitectura para aprendizagens” (Wenger et al, 2002) – deve oferecer possibilidades que favoreçam diversos modos de pertença que as pessoas colocam em acção quando precisam ou querem[15] ser membros de uma comunidade. Discuto de seguida em pormenor os três modos de pertença avançados por Wenger (1998) que podem ajudar a pensar o design de comunidades de prática em que os participantes se tornem matematicamente educados.
O engajamento mútuo. O engajamento de crianças e adultos numa dada prática não é apenas uma questão de actividade. Se se pretende ver o desenvolvimento de uma comunidade com determinadas características (com o objectivo de criar um certo tipo de ambiente com uma certa perspectiva do que é ser educado matematicamente) não é suficiente proporcionar os recursos entendidos como adequados. A construção de uma comunidade envolve ajudar os participantes a criar infra-estruturas de engajamento que devem incluir a) mutualidade, b) competência e c) continuidade (Wenger, 1998). A mutualidade é certamente uma condição para que a prática tenha lugar e para que a comunidade exista. As condições para o desenvolvimento de mutualidade na comunidade incluem (i) elementos que facilitem as interacções (e.g. espaços físicos e virtuais, comunicação, tempo), (ii) haver tarefas conjuntas definidas colegialmente (e.g. pontos de entrada para projectos específicos, agendas transparentes), e (iii) permitir a periferia na participação (e.g. criando oportunidades para o engajamento das pessoas em encontros de natureza mais informal e para participar em graus diferentes nas actividades de acordo com as decisões tomadas em espaços com esse objectivo). Uma das implicações destas ideias é que um conjunto de alunos a trabalhar na escola com um ou dois professores em educação matemática tem na sua responsabilidade a definição das metas e das formas de trabalhar para as atingir.
Em segundo lugar, a competência. Não se trata de algo que possa ser pré-definido ou daquilo que significa ser matematicamente competente. A competência é criada e definida na acção. Por esta razão, os participantes numa comunidade de prática devem ter oportunidades para actuar as suas competências, incluindo i) um sentido de que existe espaço para tomarem iniciativa e condições para que essas iniciativas se tornem patentes a outros (e.g. criando ocasiões para aplicar certos skills, criando e partilhando soluções para problemas específicos, propondo e tomando decisões quer em pequeno grupo quer a nível mais global), (ii) a compreensão de que existem momentos de dar contas do trabalho feito (e.g. apresentando o seu trabalho a outros, discutindo, exercendo e sujeitando-se a uma avaliação crítica por parte dos outros; identificando diferentes estilos de fazer as coisas e confrontá-las com as suas próprias tirando daí implicações; criando espaço e disponibilidade que encorajem a expressão da diferença e integrando estilos e formas de trabalho diferentes; ajudando a criar pontos de entrada para a negociação e desenvolvimento de empreendimentos comuns), e (iii) colocando em jogo as ferramentas adequadas, quer em termos de artefactos físicos como de artefactos conceptuais que ajudem a sustentar as competências dos participantes (e.g. conceitos e linguagem que ajude ao desenvolvimento de um reportório comum e partilhado entre os participantes)
Em terceiro lugar, e igualmente importante, é o elemento continuidade uma vez que as pessoas participando na comunidade necessitam de sentir que a prática é sustentada (e que eles contribuem para essa sustentação) e que existe um programa estável de actividades. A continuidade da prática é sustentada em duas dimensões: (i) através da produção de memórias reificativas (e.g. construindo e mantendo a história da prática através de registos e de partilha da informação sobre as actividades em curso, documentando os modos como as coisas vão sendo feitas, discutindo e fazendo representações dos resultados da discussão), e (ii) produzindo memórias participativas (e.g. partilhando e discutindo histórias da prática, criando espaços de interacção que permitam que as pessoas participem na negociação do modo como as histórias são contadas e os acontecimentos são relatados na comunidade, criando formas de demonstrar os seus desenvolvimentos).
Imaginação. Tal como referi anteriormente, não é suficiente oferecer condições físicas para que as pessoas participem numa dada prática. É fundamental que os participantes tenham algumas pistas que lhes permitam reclamar a sua imaginação de modo a tornar possível que a aprendizagem acompanhe o contexto mais vasto e que as pessoas encontrem referências adequadas (e úteis) e adquiram um sentimento de pertença à comunidade mais vasta. É por esta razão que as práticas em educação matemática devem envolver possibilidades de orientação, reflexão e exploração. Os participantes precisam de ser capazes de se localizar a si mesmos dado que isso poderá reforçar um sentimento de pertença à comunidade. A importância da orientação reside simultaneamente no modo como pode ajudar a formatar o tipo e grau de participação e pelo facto de que as pessoas se tornarão mais capazes de fazer sentido dos significados da prática. Um sentido de orientação obriga a que exista uma preocupação em criar possibilidades de que as pessoas façam sentido do seu posicionamento no espaço da comunidade e ao mesmo tempo ajudando-as a localizarem no tempo (e.g. definindo momentos de avaliação das trajectórias que se vão observando), criando possibilidades para as pessoas se localizem nos significados da prática (e.g. através da partilha de histórias da prática) e se localizem nas relações de poder inerentes a qualquer prática. Ao mesmo tempo, os alunos e os professores deve ter tempo e oportunidade para serem capazes de comparar com outras práticas através da reflexão – procurar e representar padrões de actividade e de competência e partilhá-los com os outros. Como forma de alargar a visão do futuro as pessoas devem ter as ferramentas necessárias para pensar em trajectórias possíveis da prática e de criar cenários hipotéticos e simulações, virtualmente inventando o futuro.
Alinhamento. As ideias de orientação e reflexão estão estreitamente ligadas à noção de alinhamento. As comunidades de prática necessitam de ter a possibilidade de ligar as suas práticas a empreendimentos mais vastos. Uma ideia de alinhamento tornará mais possível que alguns efeitos aconteçam e que as pessoas vejam o seu papel no âmbito de outros contextos mais alargados e em ligação com outras comunidades e outros sistemas de actividade[16]. Wenger (1998) sugere que a convergência e a coordenação constituem as duas dimensões mais importantes neste ponto. A convergência implica uma preocupação não apenas com as tarefas comuns mais simples mas também a necessidade de encontrar interesses e focos comuns de um âmbito mais alargado. Por outro lado, os participantes devem partilhar um telos construído sobre uma compreensão comum e partilhada das situações que vivem, uma partilha de valores e de princípios num sentido que favoreça a convergência de finalidades. A coordenação é um passo crucial nas comunidades construídas sobre a ideia de eficiência mas torna-se igualmente um elemento emergente em todo o tipo de comunidades exista ou não uma coordenação oficial. Inclui a definição de métodos de trabalho, canais de comunicação, recursos para estabelecer pontes para outras comunidades e feedback.
A concluir
Uma noção de educação matemática que inclua a ideia de que a aprendizagem é uma parte integrante das práticas sociais e é constitutiva da participação das crianças e jovens em comunidades de prática, tem múltiplas implicações ao nível de (i) definição dos currículos no que respeita a metodologias de trabalho, áreas temáticas organizadoras das actividades e avaliação das aprendizagens, e (ii) definição de princípios base da formação de professores de educação matemática. Mas de mais é fundamental aprofundar a ideia de perspectivar a educação matemática como fenómeno emergente. Este aprofundamento obriga a pensar a natureza das práticas em que se pretende envolver os alunos como participantes na escola e a encontrar soluções para a dificuldade de antecipar as aprendizagens que se deseja ocorram nos alunos. Em última análise esta perspectiva decorre de pensar a educação matemática em duas dimensões complementares que constituem as práticas escolares em matemática: uma aproximação ao pensar matematicamente e a uma forma de organizar a experiência incluindo um ponto de vista matemático. Este tipo de agenda depara igualmente com dificuldades decorrentes do facto de pretender realizar uma educação matemática em instituições fundadas sobre o utilitarismo. Como pergunta Caldas (1999) ‘como ser educador quando o que se exige [na escola] é um professor burocrata?’
[1] Em Portugal o ensino básico compreende os anos de escolaridade 1 a 9 (aproximadamente 6 a 15 anos de idade num percurso escolar sem repetições) e é obrigatório para todas as crianças.
[2] A mudança de nome (se não se ficar só por aí) pode ser muito importante para dar sinais aos participantes nas práticas escolares. Em Portugal a disciplina de Ginástica foi substituída nos anos setenta pela disciplina de Educação Física; muito mais do que uma mudança de nome, tratou-se da introdução de uma conjunto de elementos que trouxeram uma vocação muito mais relevante a essa disciplina através de dimensões tais como a educação motora, saúde e higiene do corpo, o desporto nas suas diversas componentes, etc.
[3] A avaliação das aprendizagens parece continuar a ser largamente vista como um processo de legitimar uma dada classificação a ser atribuída pelo professor a cada um dos alunos. Esta não é obviamente a vocação da avaliação na escola que tem que assumir o seu papel de elemento constitutivo do processo de aprender. Em última análise as práticas avaliativas que visam primordialmente a classificação apenas contribuem para a seriação dos alunos e consequentemente para a exclusão escolar e social de muitos deles.
[4] O dia-a-dia (everyday) deve ser entendido no sentido de Jean Lave – não o que se passa necessariamente fora da escola mas todo o conjunto de actividades que faz parte da vida diária das pessoas. Curiosamente, para os alunos, de facto, o dia-a-dia é essencialmente o viver a escola.
[5] A questão seria isomorfa de “Uma caneta custa €1. Quanto custam 4 canetas?” mas a história que envolve o problema é relevante se assim quisermos, quer no caso do problema da viagem em autocarro quer no caso da compra das canetas. A questão está mais no modo como queremos posicionar-nos relativamente às finalidades do trabalho que estamos a fazer com os alunos do que com a objectividade do problema colocado.
[6] Claro que um lisboeta perguntaria de imediato “mas porque é que não vão de Metro, há Metro directo do Campo Grande para o Rossio” o que levantaria outro conjunto de questões ligadas à rede de Metro de Lisboa, ao modo como cobre algumas zonas da cidade, ao modo como se tem desenvolvido, às razões que têm levado a que a expansão da rede seja feita por umas zonas e não por outras, etc, abrindo um campo de análise em que um ponto de vista matemático ocuparia também um lugar muito importante.
[7] O uso do modelo da proporcionalidade é especialmente forte nas sociedades e sobretudo nas actividades comerciais. Encontramos múltipla evidência da sua utilização ora abusiva ora de um modo quase cego quando, por exemplo, damos connosco a pensar que o supermercado nos faz um ‘desconto’ quando nos propõe a compra de um conjunto de embalagens nas tradicionais promoções “Leve 3, Pague 2”. Desmontar e analisar criticamente este tipo de pensamento matemático primário é um dos elementos que podem integrar uma proposta de uma disciplina de educação matemática.
[8] Falo aqui com referência à situação actual em Portugal mas reconheço que é uma situação com contornos diferentes nos diversos países. E chamo a atenção para o facto de se dever equacionar não apenas o insucesso medido pelas reprovações e abandono escolares (que são já dramáticos, por exemplo, ao nível do 9º ano de escolaridade atingindo 40% nalgumas regiões) mas igualmente os modos como o simples facto de certas opções profissionais conterem a disciplina de matemática condicionar de modo fulminante muito jovens na escolha de uma via de estudo.
[9] Não pretendo aqui dizer o que se deve ou como se deve fazer, para estimular o desenvolvimento de comunidades de prática promotoras de educação matemática. O meu argumento essencial é dar conta de como o design de comunidades de prática de acordo com Wenger a tal (2002) pode ser pensado de modo a que isso ajude o leitor a fazer sentido da ideia de educação matemática como fenómeno emergemte.
[10] Tradicionalmente os currículos em matemática na escola básica e secundária são definidos tendo como eixos estruturantes áreas clássicas da matemática tais como Geometria, Álgebra, Estatística, fazendo passar aos professores e aos alunos a mensagem de que esses são os elementos que constituem o domínio de trabalho. Muitos matemáticos e educadores matemáticos reclamam que, ao nível do ensino básico e secundário, esses currículos não tratam efectivamente de matemática mas de matemática escolar. Isto acontece não só porque diversos processos e definições não são correctas do ponto de vista matemático (são aceites naqueles níveis de ensino apenas por razões pedagógicas) mas também porque o campo de produção dos saberes matemáticos não é de facto a escola básica e secundária (mas sim as comunidades dos matemáticos) havendo um processo de recontextualização escolar desses saberes que leva inevitavelmente a uma transformação da sua natureza.
[11] Wenger et al (2002) utilizam a expressão social fabric colocando o ênfase na ideia de que a aprendizagem é não só constitutiva da comunidade mas também um produto da comunidade.
[12] A questão da dimensão da comunidade ou do grupo (número de membros, dispersão de interesses e interacções privilegiadas, etc) é relevante quer no aspecto escolar da educação matemática (por exemplo, relativamente ao número de alunos de uma turma ou de uma escola) mas também na dimensão do desenvolvimento dos professores e dos educadores matemáticos (por exemplo, as opções estratégicas da preparação da série de Conferências Mathematics Education and Society colocam como primeira prioridade o estabelecimento de grupos de cerca de 15 participantes que se mantêm discutindo durante uma semana inteira, ao invés de colocar o centro na diversidade de apresentação de comunicações avulso ou nas sessões plenárias.
[13] Naturalmente que nesta discussão, a ideia de prática não se opõe a teoria como muitas vezes se entende. O espaço desta comunicação não permite um desenvolvimento da ideia de prática; uma discussão muito interessante deste tema com referência à educação matemática pode ser encontrada em Santos (2003).
[14] Wenger et al (2002) escrevem “it can not be designed; it can only be designed for” (p. 236).
[15] Tipicamente a sociedade exige que as crianças vão à escola, elas não têm opção, e isso é entendido socialmente como desejável – as crianças têm que ir à escola. Entendendo obviamente a natureza política desta obrigatoriedade no sentido da formação dos jovens para uma vida na sociedade tal como a conhecemos, isso não deve ser no entanto confundido com pertença nem como sinónimo de participação da pessoa. A participação no sentido que discuto neste texto é algo em que não faz sentido falar de obrigatoriedade.
[16] Um exemplo notável do poder de um alinhamento forte dos participantes envolvidos em práticas sociais é dado por Gelsa Knijnik (1996) ao descrever e analisar os interfaces entre os saberes populares e os saberes académicos e as relações de poder associadas ao saber.
Ser ou não ser professor???
O ser professor, não é apenas estudar e ganhar o diploma, mais tambem saber ser professor, pois não sera apenas um professor mais sim uma pessoa que passara metade do dia de uma criança. Que por ser uma criança esta sempre aprendendo e assimilando idéias para si própria. Portanto professores devem primeiro devem ser pessoas com conduta aceitavel, como podemos abservar no artigo deMaria José Lourenção Brighenti, Doutora em Educação, professora e coordenadora do curso de Licenciatura em Matemática da USC- Bauru e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da mesma Universidade.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: perspectivas de mudanças
Maria José Lourenção Brighenti[1],
Universidade do Sagrado Coração- Bauru
RESUMO
Trata-se de um estudo de caso na abordagem qualitativa que investigou modificações nas concepções e/ou na postura pedagógica referentes à atuação do Professor de Matemática e os reflexos das mudanças curriculares realizadas. Tal estudo envolveu formandos do curso de Licenciatura em Ciências com Habilitação em Matemática e alunos que estão na metade do Curso de Licenciatura em Matemática da USC – Bauru. Os dados, obtidos em entrevistas semi-estruturadas, foram agrupados em cinco categorias que permitiram evidenciar aspectos relevantes da comparação como as diferenças de concepções entre os licenciandos dos dois grupos investigados, provocadas por ações, reflexões e práticas educativas, chegando a ampliar a concepção que os futuros professores de Matemática têm sobre as funções de um educador.
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Palavras chave – Formação de professores, educador
Introdução
O curso de Licenciatura em Ciências com Habilitação em Matemática, além dos conhecimentos específicos de Matemática e de uma formação humanista, pedagógica, oferecia diferentes conhecimentos relacionadas às Ciências Físicas e Biologias, formando profissionais para atuar como professor de Ciências no Ensino Fundamental e de Matemática nos Ensinos Fundamental e Médio.
Em função da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – “Lei Darcy Ribeiro” – LDB 9.394 de 20/12/96, foi necessário que este curso passasse por um processo de adequação, tornando-se um curso de Licenciatura em Matemática que formasse um professor de Matemática capaz de desempenhar suas funções docentes com competência para atuar no Ensino fundamental e Médio.
Pensando nisso, o curso de Licenciatura em Ciências com Habilitação Matemática da Universidade do Sagrado Coração de Bauru, que formou professores por mais de duas décadas, passou por transformações que foram além da modificação da grade curricular.
As mudanças atingiram a concepção de que professor de Matemática queremos formar. As disciplinas pedagógicas mudaram seu foco metodológico e prático conforme sugere Serrazina (2002, p. 10) “os cursos de formação de professores devem ser organizados de modo a permitir-lhes viver experiências de aprendizagem que se quer que os seus alunos experimentem e que constituam um desafio intelectual”.
Em 2001, mediante a autorização do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONSEPE, iniciou-se o processo reversão curricular do Curso de Ciências com Habilitação em Matemática (que passaremos a chamar de HM) para o Curso de Licenciatura em Matemática (que passaremos a chamar de LM).
Como Coordenadora deste curso desde 2001, tenho refletido muito sobre as transformações que vem acontecendo. Tais reflexões me desafiaram a realizar esta pesquisa que teve como problema: as mudanças curriculares propostas para o curso de Licenciatura em Matemática provocam alterações significativas nas concepções dos licenciandos?
Desta forma, a pesquisa aqui desenvolvida teve como objetivo identificar se as mudanças curriculares realizadas no curso de Matemática (licenciatura) da USC-Bauru oferecem aos licenciandos mudanças nas concepções e/ou na postura pedagógica referentes à atuação do professor de Matemática e quais os reflexos que estas mudanças estão sendo observados.
Na tentativa de encontrar respostas para essa indagação, optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa, investigando alunos que estão concluindo ou que já concluíram o curso HM e alunos que estão nas séries finais do curso de LM.
Mudanças na formação do professor da escola básica
Nas últimas duas décadas, em função das necessidades sócias e tecnológicas, o paradigma educacional vem sofrendo desafios e transformações em vários países como França, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Japão, Espanha, Portugal e Brasil (Pires, 2000).
No Brasil, as mudanças recentemente propostas no processo educativo, de comum acordo com as preocupações mundiais, visam à formação global do cidadão, de modo que o indivíduo utilize os conhecimentos aprendidos na escola para engajar-se na sociedade onde vive. As ações realizadas com os alunos devem desenvolver o raciocínio lógico e proporcionar o relacionamento entre os conhecimentos aprendidos na escola com suas necessidades profissionais e sociais.
Tudo isso também afeta os cursos de Formação de professores que devem oferecer subsídios para que seus graduandos conheçam e atendam os anseios educacionais atuais, fundamentados na LDBN 9.394/96. Segundo documentos oficiais
a educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural e também a educação deve ser estruturada em quatro alicerces: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver e aprender a ser (BRASIL, p. 31,1999).
Segundo o Ministério da Educação e algumas Secretarias de Educação Estaduais, o processo educativo deve transformar-se, rompendo com o paradigma educacional existente que se funda numa educação descontextualizada e focada no acúmulo de informações.
Contemplando essas idéias, a formação de um profissional do ensino deve ir além do acúmulo de conhecimentos e oferecer aos graduandos oportunidades que favoreçam a construção de competências e habilidades para interferir na prática docente do futuro professor coerente com a referida LDBN. O sentido de competência invocado aqui, não se resume em conhecer fatos, conceitos ou métodos mas em saber o que e como fazer; em aprender com os sucessos e os fracassos, utilizando-se de contatos sociais e de redes de informações, com muito empenho e dedicação para resolver os problemas, conforme propõe Alarcão (2003).
Recentemente, o MEC expediu documentos que tratam das diretrizes curriculares para a formação do professor da escola básica (CNE/CP 009/2001 de 8/5/2001). No que se refere à formação dos professores, propõem que os profissionais “mobilizem seus conhecimentos, transformando-os em ações” (p. 28). Este procedimento requer que o professor domine os conteúdos básicos que vai ensinar, compreenda as questões referentes ao seu trabalho, refletindo criticamente sobre a sua atuação e o contexto em que atua.
Neste sentido, a formação de um professor, deverá proporcionar ao graduando a construção de competências, elegendo conteúdos e ações metodológicas, bem como, a realização de um processo avaliativo coerente com essa filosofia. Segundo o documento:
A aprendizagem por competências permite a articulação entre a teoria e a prática e supera a tradicional dicotomia existente entre essas duas dimensões, definindo-se pela capacidade de mobilizar múltiplos recursos numa mesma situação, entre os quais os conhecimentos adquiridos na reflexão sobre as questões pedagógicas e aqueles construídos na vida profissional e pessoal, para responder às diferentes demandas das situações de trabalho. (BRASIL, 2001, p.29)[2]
Sob esta ótica, pretende-se que os egressos de um curso de Professores de Matemática sejam profissionais competentes, trabalhem com os conceitos matemáticos de forma diferenciada, tenham uma visão abrangente do papel social do educador; trabalhem em equipes multidisciplinares; adquiriram conhecimentos tecnológicos; relacionem a teoria com os problemas cotidianos na escola e fora dela; aprendam continuadamente, com uma visão histórica e crítica da Matemática.
O projeto pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática trás no seu bojo tais pretensões e, este é o motivo da realização desta pesquisa que pretendeu verificar se houve ou não mudanças nas concepções dos alunos provocadas pelas alterações curriculares e, ainda, identificar quais os reflexos dessas concepções na formação de um professor de Matemática.
Para maior compreensão deste estudo é conveniente apresentar os aspectos filosóficos que fundamentam os dois cursos em questão, citando o perfil, os objetivos e as metas de cada um, discutindo sobre a formação profissional dos seus egressos.
Perfil, objetivos e formação profissional dos cursos
Uma pesquisa recente (Tripoli, 2003), realizada por uma aluna do atual Curso de Licenciatura em Matemática, apresenta, em detalhes, a história do Curso de Ciências com Habilitação em Matemática (HM). Neste documento, encontram-se dados relevantes sobre a história deste curso que existiu desde a década de 1960, formando professores polivalentes.
A partir de 1974, após uma implantação progressiva, criou-se o curso de Ciências – Habilitação em Matemática[3], cuja grade curricular era composta por uma parte comum, que abrangia disciplinas para licenciar professores de Primeiro Grau (hoje Ensino Fundamental) e uma parte específica da Habilitação em Matemática ou de Biologia, acrescida das disciplinas pedagógicas que habilitava o egresso para atuar como docente no Segundo Grau (hoje Ensino Médio).
Durante todo o tempo houve preocupações em formar professores e desenvolver, “habilidade do raciocínio abstrato e verbal, atenção concentrada, exatidão, memória, iniciativa e meticulosidade, facilidade de comunicação” (Anuário,1979, p. 38 apud Tripoli, 2003, p.29)
Está explicito no Projeto Pedagógico deste curso, compromissos com
as necessidades da comunidade e da sociedade; a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; a formação de profissionais competentes e críticos caracterizados pela independência intelectual e a formação de um profissional sob os princípios da ética, da fé e da moral cristã[4].
Seguindo essa linha de raciocínio, tinha como objetivo geral “Formar professores e principalmente, profissionais com princípios cristão, ético e humano”.
Novos rumos
O projeto pedagógico do curso de Licenciatura em Matemática (LM), feito em 2001, almeja que o professor de Matemática tenha uma formação científica, humanista, crítica e reflexiva; conheça os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da sua profissão, bem como seus diferentes modelos de intervenção no cotidiano atuando, rigorosa, científica e intelectualmente.
Seguindo as orientações do MEC (BRASIL, 2001), as diretrizes para o Curso de Matemática, e ainda, o documento “Identidade e Missão” da Universidade Sagrado Coração (1999) o perfil profissiográfico do formado se caracteriza: pela visão abrangente do papel social do educador; pelo domínio dos conteúdos relevantes relacionados à sua área de conhecimento com capacidade de comunicar-se matematicamente expressando-se com clareza, precisão e objetividade, utilizando os diferentes instrumentos tecnológicos; pela competência para relacionar teoria e prática, utilizando os conhecimentos matemáticos para a compreensão do mundo que o cerca e para desenvolver projetos interdisciplinares; pela capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares e de exercer sua profissão com liderança, segurança, desenvoltura e ética; pela visão histórica e crítica da Matemática que o capacite a avaliar livros-textos, estruturação de cursos e tópicos de ensino; pela capacidade de criar e de adaptar métodos pedagógicos ao seu ambiente de trabalho, bem como de despertar o hábito da leitura e do estudo, incentivando a criatividade dos alunos.
Considerando os aspectos descritos acima, tanto no que se refere aos anseios educativos nacionais quanto aos que sintonizam com o compromisso educativo da USC, pretende-se que este curso de formação de professores de Matemática, forme profissionais com conhecimentos gerais e específicos, aptos para atuar, com competência e responsabilidade, nas escolas públicas e/ou privadas, quer seja, em suas funções nas salas de aulas ou como integrante de uma equipe desenvolvendo projetos.
Desta forma, o futuro professor deverá ser capaz de identificar os diferentes métodos utilizados na construção dos conceitos matemáticos, relacionando-os ao momento histórico em que foram produzidos e às principais correntes do pensamento científico contemporâneo; selecionar os conteúdos adequados a serem desenvolvidos; trabalhar com situações problemas ou desenvolvimento de projetos utilizando os diferentes instrumentos tecnológicos e mediante reflexões sobre a sua prática em sala de aula; possibilitar ações que releve as características próprias dos seus alunos e da sua cultura; incentivar as manifestações culturais, as práticas investigativas e reflexivas, os debates sobre temas atuais, e compreender o processo de ensino e aprendizagem da escola e as relações existentes no seu contexto, realizando trabalho em equipe e cooperativo com seus pares.
O desenvolvimento da pesquisa
A partir do que foi descrito, esta pesquisa se preocupou em desvendar se as mudanças curriculares realizadas no curso LM da USC-Bauru, possibilitaram aos alunos modificações nas suas concepções e/ou posturas pedagógicas referentes à atuação do professor de Matemática e, ainda, identificar quais os reflexos que tais mudanças provocam na formação dos futuros professores.
Para isso, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, envolvendo formandos ou recém formados do curso HM e alunos que estavam pelo menos na metade do curso de LM e que já cursaram a disciplina de Metodologia do Ensino da Matemática, do 5º semestre.
A pesquisa, de cunho interpretativo, iniciou-se com as inquietações citadas na introdução; baseou-se em dados descritivos; desenvolveu-se por interações entre pesquisador e os pesquisados; preocupou-se com o processo e não apenas com o produto, conforme Bogdan e Biklen (1994) e Lüdke e André (1986) caracterizam a pesquisa qualitativa.
A coleta das informações realizou-se por meio de entrevistas individuais e semi-estruturadas, baseadas em questões previamente preparadas e sem muita rigidez na sistematização das perguntas, permitindo ao entrevistador fazer as adaptações necessárias e aprofundar o questionamento das respostas emitidas, estimulando os entrevistados a falar mais sobre questões não esclarecidas. Sete alunos do curso de HM, escolhidos aleatoriamente, dentre os poucos que ainda estão neste curso foram entrevistados e sete alunos do curso de LM, escolhidos ao acaso, cuja única exigência era a de ter cursado a disciplina Metodologia para o Ensino de Matemática.
As entrevistas foram gravadas e transcritas para que, posteriormente, se pudesse ter uma visão geral do conjunto, facilitando a compreensão dos resultados. Após várias leituras das suas transcrições, cotejou-se as convergências e/ou divergências presentes nos depoimentos, encontrando cinco categorias de análise.
Compreensão dos resultados
As respostas emitidas pelos entrevistados, permitiram encontrar cinco categorias, a saber:
1- Identificação com a área e interesse pela docência
Reuniu-se nesta categoria dados referentes à identificação pela área de formação e interesse pela docência. As respostas investigadas, na sua grande maioria, foram encontradas na pergunta: Por que você escolheu ser professor de Matemática?
Verificando as respostas emitidas foi possível perceber que dos sete alunos do grupo HM, todos responderam que gostam da área escolhida. Quanto ao interesse pela docência, embora quatro dos entrevistados deste grupo tenham declarado seu interesse por ser professor de Matemática, apontando diferentes motivos, dois deles declararam que não pretendem ser professores de Matemática e, um outro revelou dúvidas quanto ao seu interesse pela docência.
Realizando as mesmas indagações aos alunos do Grupo LM, todos revelaram o gosto pela área escolhida e o interesse pela docência foi maior neste grupo. Dos sete entrevistados, cinco declaram seu interesse pela docência. Apenas um dos alunos desse grupo demonstrou insegurança e dúvidas, e outro declarou que não escolheu ser professor de Matemática, pois já tinha realizado experiências em outros cursos.
Comparando os resultados encontrados nessa categoria, pode-se afirmar que a diferença entre os dois grupos está no interesse pelo exercício da docência. No Grupo LM o índice de depoentes resistentes à docência é menor (30%), enquanto que no Grupo HM quase a metade dos entrevistados afirmou não estar interessada na docência.
2- Considera-se preparado para ser um professor de Matemática
Os resultados obtidos nesta categoria, não se ativeram exclusivamente à pergunta Você se sente preparado para atuar como professor de Matemática, mas foram também retirados, convenientemente, de outras duas perguntas: Para o que seu curso lhe preparou? Para que seu curso não lhe preparou?
Dos sete entrevistados do grupo HM, três alunos consideram-se preparados para ser professor de Matemática: para um deles por que já atua como professor e os outros dois, porque acham que não terão dificuldades. Entretanto, apesar dessas afirmações serem positivas, olhando suas respostas nas outras duas perguntas, quando lhes foi perguntado para o que seu curso não lhes preparou, afirmam que não se sentem preparados para ser professor de Ciências. Isso indica que a formação que tiveram como licenciado em HM, não lhes dá segurança para lecionar Ciências, só lhe dá o título e a possibilidade de lecionar!
Dos outros quatro alunos do Grupo HM, dois reconheceram, já na primeira pergunta, que não estão preparados para atuar na docência e os outros dois apresentaram dúvidas, sendo que um deles reconhece que para ser um bom professor de Matemática, precisa estudar e pesquisar mais. Este aluno apresenta uma concepção mais avançada sobre docência, pois nesta etapa antes mesmo sem ser perguntado, já soube definir o que entende por educador.
Analisando os depoimentos dos alunos do Grupo LM, também foi possível perceber a bipolaridade de respostas. Quatro dos sete alunos acreditam que estão preparados para a docência; os outros três, não se acham preparados porque ainda não fizeram estágios.
Comparando os resultados obtidos nos dois grupos de alunos desta categoria, não foi possível perceber diferenças significativas. Entretanto, talvez exista um paradoxo: os alunos do Grupo HM acreditam estarem preparados para exercer a profissão, porque desconhecem os novos anseios educacionais e, justamente, por que os alunos do grupo LM, que tem a oportunidade de vivenciar experiências mais próximas dos novos anseios educacionais, se sintam despreparados para atuar nesta profissão. Confirma-se que o não conhecimento produz certezas... e o conhecimento gera dúvidas!.
3- Concepção de educador/ preparação
As várias representações dos entrevistados sobre educador e, ainda, sobre a percepção de cada um de se achar/ou não um educador, foram agrupadas. Os dados relevantes foram retirados das seguintes questões: O que você entende por Educador? Você acha que seu curso lhe preparou para ser um Educador?
Dos sete alunos do Grupo HM entrevistados, quatro deixaram claro sua concepção de educador como transmissor de conhecimentos, pois utilizaram as palavras “passar” ou “transmitir conhecimentos”. Somente um aluno deste grupo não utilizou a idéia que relaciona educador com a transmissão de conhecimentos.
No Grupo LM, todos os depoentes, de alguma forma, revelaram ter consciência de que ser um educador supera a idéia de transmissor de conhecimentos. Utilizaram palavras como “facilitador”; “responsabilidade”; “busca novos conhecimentos, novas metodologias para sala-de-aula”; "aprender com seu aluno”; “preparar para a vida”; “amor pelo que faz”.
É necessário esclarecer que desses sete alunos do Grupo LM, dois, apesar de terem revelado em seus depoimentos, a consciência do real papel de um educador, não deixaram de usar expressões como “passar conhecimentos”, demonstrando resquícios da concepção de que o educador se confunde com professor e tem como responsabilidade transmitir conhecimentos.
Ainda nesta categoria agruparam-se dados sobre o que cada um pensa de estar ou não preparado para a função de educador. Dos sete alunos do Grupo HM, tendo em vista que definem o educador como transmissor de conhecimentos, cinco acreditam que estão preparados para serem educadores; um declarou estar em dúvida, mas mostrou-se conhecedor dos atributos de um educador e o outro teve dificuldades em responder.
No Grupo LM, dos sete entrevistados, cinco se sentem preparados; um aluno não respondeu a pergunta e outro mostrou-se inseguro, justificando que fez pouca Prática de Ensino. Esta insegurança poder ser explicada pelo fato desses alunos estarem apenas na metade do curso e ainda não se sentirem com o domínio da prática docente.
A análise realizada revela a diferença de concepções entre os dois grupos de alunos. Tal indicativo evidencia que os alunos do Grupo LM estão mais próximos de compreender o significado de educador, conforme as competências e habilidades expressas no projeto pedagógico deste curso.
Nesta categoria foi possível determinar duas sub-categorias: o foco na transmissão de conhecimentos ou o foco na formação do ser enquanto pessoa. Aqueles que acreditam que para ser um educador basta “transmitir conhecimentos”, se fundam na idéia de que muito tempo prevaleceu: a aprendizagem somente acontece mediante a estratégia de repetição do aluno sobre o que o professor lhe informou. Nesta concepção, o aluno é visto como receptor das informações transmitidas pelos “detentores de conhecimentos”, limitando-se a assistir passivamente, memorizando os conceitos.
A idéia acima se contrapõe à definição de educador dos nossos tempos, pois o trabalho educativo deve combinar a educação geral com conhecimentos específicos proporcionando aos indivíduos a compreensão dos processos e capacidades de transferir os conhecimentos aprendidos na escola para resolver os problemas do seu cotidiano.
Pensando na educação em sua totalidade é preciso que o educador se perceba agente transformador da realidade ao conhecer os conhecimentos armazenados historicamente, dedicar e praticar sua vocação, acreditando na humanidade e almejando a transformação da vida dos cidadãos. Assim, o educador, além de tratar dos conteúdos propriamente dito, deve preocupa-se com a aprendizagem dos seus alunos, oferecendo-lhes oportunidades de pensar, refletir, julgar, discernir sobre questões ligadas aos problemas do seu cotidiano.
Segundo D’Ambrosio (1999),
Educação é o conjunto de estratégias desenvolvidas pelas sociedades para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial criativo; b) estimular e facilitar a ação comum , com vistas a viver em sociedade e exercer a cidadania” (p. 15)
Esse autor discute, com muita propriedade, a diferença entre educador e professor. Para ele, a prática educativa é realizada pela transmissão de conhecimentos disciplinares, pela profecia de doutrinas e pela vivência de comportamentos e de posturas críticas. Acredita na existência de duas missões distintas: a de educador e a de professor. O educador promove a educação, que é um ato. O professor, professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina, um conceito. A missão do professor é colocar os conteúdos que desenvolve a serviço da educação, trabalhando com estratégias definidas a partir da realidade dos alunos (D’Ambrosio, 1999).
Faz parte das atribuições de um educador possibilitar ao seu aluno desenvolver a capacidade de trabalhar em equipe e incentivá-lo a aprender continuamente e a refletir sobre tudo o que vivencia
Essa rápida comparação entre educador/professor nos leva a acreditar que os alunos do grupo LM chegaram, mais próximos da definição de educador, conforme o que foi descrito, pois explicitaram palavras cheias de significados como “facilitador”, “transmissor”, “buscar novos conhecimentos, novas metodologias para sala-de-aula”, “aprender com seu aluno”, “preparar para a vida”, “ter amor, dedicação, ensinar”, enquanto que os alunos do grupo HM, só deixaram transparecer a idéia de transmissor de conhecimentos.
4- Articulação teoria e prática/interdisciplinaridade
Ao responder as perguntas: Você acha importante, para ser um professor de Matemática, conhecer disciplinas de outras áreas de conhecimento?; Os parâmetros curriculares sugerem que o aluno utilize a Matemática para resolver problemas do mundo em que vive; Como você faria para utilizar a Matemática na resolução de problemas do cotidiano do seu aluno?, os alunos revelaram se sabem articular a teoria com a prática e utilizar a interdisciplinaridade, importantes estratégias para possibilitar ao aprendiz resolver problemas do seu cotidiano.
Esta categoria agrupou informações obtidas em dois momentos: ao investigar sobre a importância de conhecer disciplinas de outras áreas de conhecimento para ser um professor de Matemática e ao solicitar exemplos de aplicações dos conceitos matemáticos estudados na escola com o cotidiano dos alunos, conforme sugere os PCNs.
No Grupo HM, apesar de todos os depoentes, enfatizarem a importância de se conhecer outras áreas de conhecimentos, apenas dois indicaram o uso da interdisciplinaridade e ainda não de acordo com as aspirações educacionais atuais. Interpretando as respostas emitidas pelos alunos do Grupo HM, relacionadas à esta indagação, foi possível perceber que as diferentes áreas de conhecimentos foram trabalhadas durante a sua formação como professor de Ciências com Habilitação em Matemática, isto é, um professor que soubesse “transmitir” os conhecimentos relacionados à Biologia, Química, Geologia e que soubesse um pouco de Matemática. Esse sentimento, talvez, seja o fruto de um trabalho disciplinar, onde cada disciplina foi estudada isoladamente e não relacionada ao cotidiano do aluno, sem trabalhar o porquê e o para quê se estuda determinado conhecimento.
Olhando as informações obtidas nos depoimentos do Grupo LM, percebeu-se resultados parecidos. Para dois alunos, aprender outras áreas de conhecimentos é bom, pois favorece o trabalho interdisciplinar. Alguns relacionaram com Filosofia, Língua Portuguesa e Teologia, e outros, dando sinais de que não gostaram muito, afirmaram que algumas disciplinas até poderiam ser suprimidas para aumentar outras disciplinas específicas.
O outro aspecto relevante para esta categoria foram os exemplos ou aplicações dos conteúdos estudados na escola com a vida cotidiana. Dos sete entrevistados do Grupo HM, quatro exemplificam a aplicação dos conceitos matemáticos no cotidiano do aluno. Os outros três não souberam relacionar a Matemática com a vida. Apontaram apenas na resolução de exercícios.
Mesmo revelando aspectos positivos sobre o relacionamento teoria e prática, percebeu-se resquícios da pedagogia do faz de conta, pois a entrevistada revelou acreditar em simulações de compras, acreditando que estaria fazendo uma resolução de problemas!
A mesma análise foi realizada com os depoimentos dos alunos do Grupo LM. Dos sete alunos deste grupo, exceto um não exemplificou e nem afirmou que a Matemática deve estar relacionada com as situações do cotidiano. Para este aluno, a Matemática serve para “desenvolver pesquisas”. Os exemplos dados pelos outros seis depoentes foram: o uso dos temas transversais; partir do contexto dos alunos; aplicação no trabalho do que se aprende na escola; exploração do cotidiano; calcular áreas de terrenos in loco.
Embora os estudos realizados na primeira parte desta categoria não tenham mostrado diferenças significativas, nesta segunda etapa, não se percebe diferenças significativas quanto à articulação entre teoria e prática, dados esses relevantes para a pesquisa aqui realizada. Os depoimentos mostraram o desenvolvimento de competências para relacionar a teoria com a prática, utilizando os conhecimentos matemáticos para compreender o mundo que o cerca, para desenvolver projetos interdisciplinares, criando ou adaptando métodos pedagógicos ao seu ambiente de trabalho.
5- Mudanças na visão de mundo e no relacionamento professor X aluno
Esta categoria formada pelas asserções referentes às concepções que os licenciandos trazem sobre as visões de mundo revelam se houve ou não mudanças significativas para esta abordagem. Perguntou-se: O curso que você faz o preparou para ver o mundo de que forma? Você acha que este curso o ajudou a compreender as relações entre professor e aluno e a entender o mundo em que vive?, possibilitaram a reunião desses dados.
Três, dos sete alunos do Grupo HM afirmam que o curso lhes preparou para ver o mundo de forma diferente, mas não justificaram. Outros quatro, divergiram quanto às finalidades.
Em contrapartida, dos sete alunos do Grupo LM, seis acreditam que o curso lhes preparou para ver o mundo de forma diferente. Três realizaram comparações: como eram quando chegaram e como estão agora.
Analisando esses resultados foi possível perceber as diferenças existentes entre os alunos dos dois grupos, em relação às mudanças ocorridas. Para o primeiro grupo, não houve unanimidade quanto às mudanças, enquanto que para o segundo grupo, exceto um aluno que não viu mudanças.
Ainda nessa categoria, investigou-se como percebem a relação entre professor e aluno. Para o Grupo HM, três afirmaram que em seu curso, a relação professor–aluno foi significativa; três não opinaram e um ficou indeciso, enquanto que dos sete alunos do Grupo LM, seis apontaram aspectos relevantes sobre essa relação.
Novamente os alunos do Grupo LM revelam que acreditam na importância do relacionamento professor – aluno, direcionada para o compromisso com o cidadão e o respeito para com a pessoa.
Considerações Finais
Os depoimentos dos alunos de diferentes currículos de um Curso de Formação de Professores de Matemática da USC- Bauru, permitiram responder questões que originaram esta pesquisa que teve como objetivo verificar se as alterações curriculares provocaram mudanças nas concepções e/ou na postura pedagógica dos licenciandos e identificar quais mudanças que foram observadas, bem como, outros fatores que interferem na formação de um professor de Matemática.
Foi possível perceber diferenças de concepções entre os licenciandos dos dois grupos investigados. Acreditamos que tais diferenças foram provocadas pela composição da grade curricular, pelo perfil do profissional que se pretende formar, em fim pela filosofia de formação de um professor de Matemática, que se funda na visão de educador, segundo as necessidades atuais.
O estudo revelou que os alunos do Grupo HM, apresentam interesse pela área mas nem todos almejam ser professor de Matemática; valorizam o conhecimento científico, mas não a pessoa; acreditam na transmissão de conhecimentos e não na construção dos conceitos; e ainda, não valorizam a relação professor-aluno e se distanciam do real significado de educador.
Em oposição, os alunos que estão na metade do curso de Licenciatura em Matemática (Grupo LM), demonstraram interesse pela área e pela docência, valorizam o ser enquanto pessoa e, conseqüentemente, definem educador como um facilitador para a aprendizagem ou, pessoa que está sempre buscando novos conhecimentos e metodologias para sala de aula; sugerem que o processo de educativo se realize por meio de reflexões, discussões, julgamentos e articulação dos conceitos com a prática cotidiana. Estes alunos, acreditam que trabalhar com diferentes áreas de conhecimentos é um forte álibi para a prática da interdisciplinaridade.
No que se refere à resolução de problemas do cotidiano o aluno ou à aplicação da teoria estudada com a prática, a maioria dos alunos do Grupo HM não conseguiu exemplificar ações para relacionar os conceitos matemáticos, enquanto que os alunos do Grupo LM, com relativa facilidade, exemplificaram situações para serem desenvolvidas nas salas de aulas.
É preciso ainda, comentar as diferenças observadas nos dois Grupos em relação ao sentimento de mudanças na visão de mundo e na importância da relação professor - aluno. Os alunos do Grupo HM não percebem tanto as mudanças na visão de mundo e nem deram muito destaque para a relação professor-aluno, enquanto para os alunos do Grupo LM, os professores não devem se preocupar apenas com o conteúdo específicos mas também com a formação dos futuros educadores e por isso, estimular a relação professor–aluno, respeitando o aluno enquanto pessoa e alertando-o para o compromisso da escola para com o cidadão.
Esta pesquisa mostra que há indícios de que o “novo” Curso de Matemática (Licenciatura) está iniciando a formação de futuros professores de Matemática na direção almejada pelo Projeto Pedagógico deste curso, que tem como fundamento as necessidades atuais e os documentos oficiais. Entretanto, como este curso de Licenciatura está sendo implantado e ainda não formou nenhuma turma, seria conveniente, que futuras comparações fossem realizadas no sentido de fortalecer ou desmistificar os indícios apontados neste estudo. ano por ano.
[1] Doutora em Educação, professora e coordenadora do curso de Licenciatura em Matemática da USC- Bauru e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da mesma Universidade.
[2] CNE/CP 009/2001, DE 8/5/2001
[3] autorizado pelo Parecer n.º 1.647/74 de 05/06/1974 e pelo Decreto n.º 74.330 de 29/07/1974. Nesta época também surgem na FAFIL outras habilitações para esse curso. No entanto, nosso enfoque será apenas para a Habilitação em Matemática.
[4] Projeto Pedagógico do Curso de Ciências com Habilitação em Matemática, 1997.